31 julho 2007

Despretensiosa e resumida análise sobre a imprensa maringaense ou outra qualquer

* Antonio Roberto de Paula

Maringá não pode ser ilhada quando o assunto é imprensa. Não somos em nada diferentes em relação a outras cidades. Temos pecados e virtudes, pois somos humanos. Temos corporativismo, alienação e indiferença e, em grau menor, combatividade e sábias e eficazes interferências. É possível, contudo, analisar determinadas peculiaridades maringaenses, fazendo um recorte deste ambiente tão ativo, crucial, exposto, competitivo e vaidoso.
Esse mundo dos profissionais das notícias da Cidade Canção e da região já não se fecha mais em si. Antes, cerca de duas décadas, havia rachaduras por onde penetravam comerciantes negociando notícias, manipulando manchetes. Hoje, há um rombo em que os mercadores já nem se preocupam em estar travestidos de jornalistas. Eles assumem suas profissões utilizando a imprensa para vender idéias e produtos e para o exercício da vaidade. E há jornalistas comercializando informações com preços variados, alguns bem irrisórios. Nada, portanto, que difira de outros lugares.
Mais ainda dá para fazer alguns exercícios analíticos tomando como base a figura do jornalista. Para tanto, é preciso voltar no tempo. Parte da velha guarda da imprensa maringaense morreu, mudou-se, aposentou-se ou trocou de profissão ou de sonho. Sim, porque até pouco tempo escrever e ganhar por isso era concretizar o sonho de fazer algo atendendo a um chamado vocacional. A outra parte daqueles senhores das letras ainda está por aí com seus pecados e suas virtudes.
Os remanescentes dos anos 60 estão nas redações dos jornais, nas emissoras de rádio e TV e em assessorias. Ou fazem trabalhos independentes pondo, diariamente, à prova o prestígio conquistado desde a época em que o jornalismo era símbolo de status. São uns gatos pingados que estão considerando, no mínimo, engraçado a necessidade de formação acadêmica para trabalhar na imprensa.
Eles seguem em meio a uma leva de novos e vibrantes profissionais que carregam seus modernos equipamentos e planos e suas teorias e ideologias sedimentadas até o próximo emprego. Os dias de hoje requerem profissionalismo extremado, informação concisa e praticidade nas relações. O oposto da mesozóica era do preto e branco.
A geração seguinte à desses senhores dos textos longos, exaustivamente trabalhados e extremamente cuidadosos é a daquele grupo das décadas de 70 e 80, alunos informais e parceiros de labuta dos pioneiros, varando madrugadas nas redações enfumaçadas. Este pessoal tenta ocupar seus espaços nesta profissão tão incerta. Rico, que se saiba, ninguém ficou. Se algum deles enriqueceu é porque teve alguma atividade paralela ou nunca foi verdadeiramente jornalista.
Mas o assunto em questão não é dinheiro. Uma pena, porque o bom da vida é poder ganhá-lo fazendo o que dá prazer, sem nenhuma culpa. Estamos falando de paixão. A paixão pelo jornalismo e por esta cidade, a comodidade, os horizontes fechados, as tentativas frustradas em outras áreas e tudo isto e mais um pouco fizeram com que essa gente permanecesse numa aventura sem fim. Uma aventura sem data para acabar. Só Deus sabe a hora.
São cerca de três, quatro dezenas de profissionais que escolheram Maringá ou por ela foram escolhidas. Gente que nasceu aqui, chegou criança, adolescente, e foi ficando. Gente que conhece a história da cidade, acompanhou o seu crescimento, testemunhou fatos importantes, teve contato com personalidades de expressão e ao longo dos anos passou a entender o jeito desse povo, suas motivações e particularidades e até interferiu de alguma forma. São os quarentões e cinqüentões pós-graduados sobre o tema “Maringá”, são os agentes ativos da vida da cidade.
Esses profissionais primam, em sua maioria, pela qualidade do texto, espírito investigativo, sólida base argumentativa, competência e improviso no rádio e na TV e eficiência em assessoria. Mas, mesmo contrariados com os rumos tomados pelo jornalismo foram, obrigatoriamente, se atualizando e se adaptando. Afinal, é preciso sobreviver. Trata-se de um pessoal que, não raro, vai dormir determinado a abandonar este trabalho, mas que acorda na manhã disposto a se dar outra chance. Afinal, é uma classe sonhadora.
Os redatores seguiram teclando suas Reminghtons e Olivettis até meados dos anos 90, depois transferindo os dedos para os computadores. Porque um novo mundo surgiu. Menos romântico, mais profissional, exigindo bem mais do que o conhecimento dos teclados. As relações humanas ficaram mais restritas, quase secundárias. E eles se adequaram.
Maringá recebeu a partir do final da década de 80 muitos jornalistas recém-formados que viram na cidade potencial suficiente para exercerem a profissão. Para boa parte, a Cidade Canção foi apenas rito de passagem. Para outro grupo, Maringá tornou-se amor à primeira vista ou um entreposto que vai se tornando ponto definitivo em função de uma série de acontecimentos.
É nesta célula que estão profissionais que ocupam cargos importantes em redações, emissoras, agências, assessorias e, por último, faculdades. Ou, sem perspectivas, dentro da linha mudar para não mudar de cidade, abriram algum negócio correlato, trabalham em outra atividade e vivem fazendo frila. Ficam com um pé na imprensa e outro fora.
Os cursos de graduação se transformaram num importante gerador de empregos para os jornalistas, inicialmente, para a complementação de salários. A expansão das faculdades de jornalismo em Maringá está resultando numa abertura para que eles se tornem “apenas” professores. Hoje, constata-se a presença de jornalistas em cursos de especialização e pós-graduação. Aumentando o grau de conhecimento aumentam os salários. E a grande concorrência estimula o aprendizado.
Jornalistas continuam a tentar a sorte em Maringá. A comprovação está nas pilhas de currículos nos RHs dos veículos de comunicação. O mercado é restrito, se tornando ainda mais fechado com a liberação de estagiários para o trabalho. Com a chegada, anualmente, de pelo menos 50 novos profissionais saídos dos bancos universitários, considerando que, no mínimo 20% permaneçam na cidade, cresce a estatística dos desempregados e sub-empregados. Diante das portas fechadas, eles deixam o currículo e embarcam de volta. Repetindo: nada diferente de outros lugares.
Há jornalistas que vêm por outras razões. Quando um consegue o emprego avisa o amigo ao surgir nova oportunidade. E a corrente aumenta. Há casos em que o precursor já deixou a cidade e os outros continuam trabalhando, formando família... Existem os que são convidados a vir trabalhar em Maringá, os que são transferidos para cá, os que foram e acabaram voltando, os daqui que ganharam a vida fora. E por aí vai.
Em meio a esta diversidade é quase impossível montar um perfil. O que se percebe nestes cerca de 50 anos de imprensa maringaense é que há grupos antigos, não tão antigos, recentes (anos 80 e 90), os graduados das primeiras turmas do Cesumar e Faculdade Maringá e o grupo formado pelos novatos. Todos interligados, mas sem união, sem organização, de encontros esporádicos, apenas se conhecem e às vezes nem isso.
O personalismo latente e os melindres exagerados cortam os canais de entendimento. A notícia ainda perde espaço para quem a noticia. É a vaidade sobrepondo-se a um trabalho que é como um outro qualquer, talvez mais exposto, mas apenas um trabalho.
Observa-se uma grande preocupação pelo trabalho alheio. Se essa preocupação servisse para melhorar o próprio nível... Não é. Existe uma linearidade tacanha com a justificativa de que modelo que está dando certo não pode ser alterado. Muda-se o cenário e mantém-se a essência ou a falta dela. A despersonalização de páginas e programas é proporcional ao egocentrismo.
Se os jornalistas e profissionais da área interagissem mais, trocassem impressões, se avaliassem em conjunto seus desempenhos, se tivessem humildade para ouvir e desprendimento para propor soluções o nível de qualidade dos trabalhos seria infinitamente melhor e todos sairiam ganhando.
Aumentou o número de profissionais e o espírito de camaradagem foi se esvaindo com a chegada do novo milênio. Passa de 50 o número de emissoras de TV e rádio, jornais, revistas e tablóides em Maringá, o mesmo número de programas independentes, e pelo menos 30 assessorias de imprensa de órgãos públicos, empresas, instituições de ensino, associações, escritórios políticos e agências de publicidade.
Hoje as redações são escritórios de alta competência para a produtividade em larga escala. As pessoas acionam as máquinas para fazer a notícia e depois vão embora. Amanhã começa tudo de novo. Sem comentários sobre a edição anterior. A repercussão quase não existe porque a profusão de fatos engole os restos do passado. Os contatos entre jornalistas são via internet. Nada que difira de outro lugar.
Em 1991, houve a tentativa de unir a imprensa por meio da AMI (Associação Maringaense de Imprensa). Ela, contudo, já nasceu manca, pois não conseguiu agregar os profissionais de canudo. Estes defendiam não haver a necessidade de um órgão local que os representasse pelo fato de Maringá ter a seccional do Sindicato dos Jornalistas.
Ocorre que a maioria dos profissionais maringaenses não tinha o diploma para se sindicalizar, nem mesmo o registro provisório. Ficou, então, de um lado o Sindicato com pouca gente e do outro, quase uma centena de profissionais tentando se organizar. A tentativa foi infrutífera. Houve um esvaziamento gradativo da AMI por falta de objetividade e um direcionamento totalmente afastado do que havia sido proposto, uma distorção nos planos.
Passadas quase duas décadas, o Sindicato luta por uma maior representatividade em Maringá e na outra ponta a AMI quer ser efetivamente uma associação. Na verdade, o que o jornalista maringaense quer é ganhar o seu salário e ter um mínimo de garantia no emprego. Sindicatos e associações passaram a ser questões para se conversar quando esgotarem assuntos mais importantes. São tantos os percalços e dissabores nesta profissão que o desencanto impede a participação ativa numa entidade.
E também a angústia assola o jornalista que quer e precisa se informar. Já não é possível acompanhar o que acontece mesmo que a mesmice predomine na maioria dos veículos. Mas, fora da nossa jurisdição, fora de Maringá e de uma centena de municípios, são muitos os jornais diários, tablóides, informativos, revistas, programas de TV de todos os tipos, em todos os horários e de todos os segmentos, programas de rádio, internet com novidades a cada segundo. Tudo interligado e rapidamente velho. Comunicação instantânea sem pesquisa acurada, sem tempo para a elaboração da matéria e espaço para a veiculação.
A internet, com seus sites e blogs, merece uma séria avaliação. O que começou como uma espécie de divertimento há cinco, seis anos, o que era apenas um espaço para colocar o que não cabia ou era proibido nos jornais, tornou-se um poderoso instrumento de informação. Em Maringá, pelo menos 30 blogueiros interagem, fazem rodar as notícias sobre todos os assuntos. Pauteiros de jornal, TV e rádio têm nos blogs uma fonte contínua de informações. Assessores de imprensa têm à disposição um eficiente meio de divulgação.
No mundo dos blogs, a liberdade de opinião nada de braçadas. Nele, jornalistas, radialistas, estudantes, professores, sindicalistas, poetas, artistas, políticos, empresários e advogados expõem suas idéias e mandam suas notícias. E um contingente de profissionais de todos os segmentos dão suas opiniões, sugerem, contestam, denunciam e dizem besteiras. Assim é a nossa cidade na internet, em nada diferindo de outras.
Os blogs rivalizam com as emissoras de rádio, pois ambos podem dar a notícia em tempo real. Percebe-se uma salutar rivalidade entre os dois, o que é ótimo para o internauta e para o ouvinte. Uma pena que os canais de TV, que poderiam fazer este trabalho pelo menos das 8h às 18h, não fazem. A maior parte da programação de TV é produzida com entrevistas ao vivo no estúdio e matérias gravadas.
Não existe um comprometimento dos apresentadores e repórteres com o canal de TV que vende seus horários para a veiculação de programas. O comprador se sente descompromissado a partir do momento em que assina um contrato e paga para pôr o seu programa no ar. Com o loteamento dos horários verifica-se na grade de programação enfadonha similaridade, qualidade técnica discutível, cenários arcaicos e amadorismo risível. A situação já foi mais trágica. Hoje, nota-se, ainda que timidamente, sinais de reação.
No caso do profissional de carteira assinada, ele “veste a camisa” porque sabe que melhorando a programação melhora a audiência e, por conseqüência, o faturamento. Com dinheiro em caixa, a emissora não demite. Pelo contrário, cresce o quadro de funcionários.
A entrada em cena, nos anos 90, das faculdades de jornalismo ratificou a mudança no jornalismo. A partir daí firmou-se o conceito de que o profissional bem preparado em várias mídias está mais apto a vencer no mercado do que uma “pena brilhante”, um showman no vídeo ou uma bela voz no rádio.
Os cursos informaram aos últimos românticos que os tempos eram outros. O sonho não havia acabado de vez, mas comprovadamente o jornalismo foi comparado às demais profissões. Ressalte-se que na questão salarial não ocorreu a equiparação.
Ainda que muitos jovens tenham visto com deslumbramento o fato de cursar uma faculdade de Comunicação, cuja empolgação não suportou o primeiro ano, e ainda que o quadro docente sofresse de graves limitações, o certo é que um grupo de profissionais foi formado a partir da academia. Faz-se necessário destacar que um considerável percentual de formandos guardou o diploma na gaveta e foi cuidar da vida em outra seara. Mas, convém registrar que este grupo de primeiros universitários foi inserido no mercado de trabalho. Com pouca ou sem experiência, mas que hoje está na profissão atuando com competência.
Importante frisar que esta nova turma, que já está há mais de seis anos na área, recebeu um importante reforço no seu aprendizado: de profissionais experientes, de 10, 15 anos de estrada, que se sentiram impelidos a buscar outros conhecimentos numa graduação. Esta mistura de experiência com vontade de aprender e de faixas etárias distintas foi produtiva para quem estava iniciando e serviu como motivação para quem voltava a estudar depois de anos.
São tantas as mudanças que os patrões e suas sociedades não poderiam ficar imunes. Com seus impressos e emissoras, eles já não navegam em águas tranqüilas, não exercem com tanto desprendimento a ditadura da notícia, que é uma característica marcante da Cidade Canção. A contragosto, abriram espaços para a comunidade porque é o caminho da sobrevivência. Publicação nenhuma permanece para sempre escrevendo para um segmento.
Por meio de uma série de instrumentos políticos ou não, do fortalecimento das associações, pelos reflexos de cidades mais desenvolvidas e pelo aumento do espírito de cidadania, a população aproveitou a abertura. A liberdade abriu as asas. A fórceps e por necessidade dos veículos, a imprensa está ampliando cada vez mais sua caixa de ressonância. Contudo, muito ainda há a percorrer.
Os departamentos de jornalismo e o comercial continuam caminhando juntos porque não podem, evidentemente, estar dissociados. Se o primeiro depende do segundo, o segundo também deveria depender do primeiro. Mas, geralmente, não é essa a visão da empresa jornalística ou do dono do horário ou da página. Em linhas gerais, não se percebe exemplos latentes de empenho para melhorar a qualidade. O faturamento é considerado fundamental e o que é veiculado nem tanto. Mas, se lançarmos luz há 10, 20 anos, podemos afirmar que houve progressos.
A credibilidade e, conseqüentemente, o crescimento ocorre quando a notícia chega à população e não apenas para determinado setor. Se o poder em vigência preparava as pautas, hoje podemos observar claros sinais de independência. A proliferação de veículos dificultou o controle da informação e não é mais possível cercar os insurretos. A concorrência obriga a abandonar a chapa-branca ou pelo menos não ser tão explícito para não perecer. Quem parou no tempo está desaparecendo, entrando no vale dos esquecidos.
Porém, prevalece ainda a máxima: “Jornalista é pago para escrever matérias, mas não necessariamente para vê-las publicadas.” Quem não contesta esta assertiva segue trabalhando. Os que se insurgem recebe o bilhete azul também com uma máxima: “Quer escrever o que quiser, então monte um jornal.” Portanto, nada diferente de outras paragens.
Os pecados e as virtudes pontuam a trajetória do jornalismo que fazemos. Valores rastejantes e elevados à parte, o certo é que novos grupos vão surgir substituindo os que vão para a história. A certeza é a de que o jornalismo nunca mais será o mesmo. Este é um recorte maringaense, mas excetuando detalhes poderia ser de qualquer outra cidade.
A imprensa de uma cidade é a cara da sua sociedade. Essa relação se baseia em permissão. A imprensa se estabelece, dita normas de acordo com o grau de exigência da sociedade. Já a sociedade age a partir do nível de vigilância da imprensa. Se uma é reflexo da outra, a responsabilidade é mútua.
Maringá está na média geral dos municípios brasileiros. Se houve um avanço tecnológico das profissões, veio junto a feroz competitividade que deixou a ética, o respeito e a amizade pouco alicerçados. E como não deveria deixar de ser, o jornalismo está inserido neste processo. Quem sabe, quando esgotarem todas as tentativas, surja um outro ciclo, um recomeço mais humano, mais criativo, em que cada profissional saiba ocupar o seu lugar, sendo valorizado e fazendo-se respeitar. Eu gostaria de estar aqui para ver.

* Antonio Roberto de Paula é jornalista maringaense
CONTATO: imprensadepaula@gmail.com