09 novembro 2006

O Testemunho em Vila de Rei

(Por Cecília Fraga)

Selecção no Brasil - Durante a primeira reunião de selecção feita no Brasil, na Sala de Reuniões do Gabinete da Prefeitura de Maringá, em Outubro de 2005, a senhora Luiza Pupin, presidente do Provopar-Maringá e responsável pelo projecto, disse que poderiam ser seleccionados todos os tipos de profissionais, de médicos à pedreiros, com salários que poderiam variar de acordo com a qualificação individual de cada seleccionado e funções que exerceriam em Vila de Rei.

As vantagens seriam: legalização, casa e comida nos primeiros quatro meses, escola e infantário para os filhos e formação adequada para desempenhar a função profissional que viesse a ser atribuída.

Uma vez seleccionadas as primeiras 15 famílias e publicados os respectivos nomes no principal periódico da cidade, em meados de Novembro, foi feita uma reunião com os seleccionados e informado que o embarque aconteceria antes do natal, ou seja, cerca de 20 a 30 dias após aquela data.

Para tanto era necessário providenciar a documentação exigida, apresentar o pedido de demissão dos empregos, comprar as passagens e organizar as coisas para a vinda. Porém, o que aconteceu não foi o previsto porque a Autarquia de Vila de Rei não conseguia desbloquear a situação, causando um enorme desgaste emocional e financeiro às famílias seleccionadas, inclusive para algumas que acabaram por não poder embarcar, porque, entretanto, ficou definido que só poderiam vir 4 (quatro) famílias.
É importante frisar que eu não estaria nesse grupo de quatro famílias, mas com a desistência de uma enfermeira, com curso superior e sua família, passo a fazer parte do grupo.

Em Abril do ano seguinte, quando a situação já estava insustentável, nós, as quatro famílias seleccionadas, nos reunimos e resolvemos intervir. Decidimos que eu viria a Portugal tratar da documentação em falta. A decisão foi tomada mesmo sem a ajuda ou colaboração do Provopar-Maringá (entidade que estava envolvida directamente no processo de selecção e representando a Prefeitura de Maringá). De um dia para outro a minha passagem foi comprada e eu embarquei para Vila de Rei, tendo a Autarquia pago a minha estadia na Albergaria D. Diniz.

Fui escolhida pelo grupo porque já tinha feito várias viagens ao exterior, tinha o meu passaporte carimbado com entrada em Portugal e podia adiantar o dinheiro da passagem.

No dia 5 de Abril desembarquei em Lisboa e fui recebida pelo vereador Doutor Paulo César e sua esposa Dra. Carla Suzana. Tento telefonado aos senhores Augusto e Felipe, da Pinhal Maior, que haviam estado comigo em Maringá uns dias antes, informando-os de que estava em Vila de Rei e que gostaria de cumprimentá-los e pedi-lhes para me levarem ao Santuário de Fátima, o que veio a acontecer no domingo, dia 9 de Abril, na companhia do senhor Felipe.

O objectivo da minha viagem a Vila de Rei foi identificar e procurar resolver as dificuldades que estavam a impedir nossa vinda para o projecto prometido, caso contrário, todo grupo desistiria do mesmo. Tinha apenas cinco dias para isso. Junto com a assistente social da Câmara, senhora doutora Alexandra, com o vereador doutor Paulo César e o vice-presidente da Câmara, doutor Ricardo Aires, percorri vários organismos oficiais e acertamos os últimos detalhes.

Embarquei de volta com o contrato de trabalho assinado pela Albergaria D. Diniz e carimbado pela IGT (Inspecção Geral de Trabalho), com a esperança de retornar em breve a Vila de Rei, para trabalhar e viver tranquilamente, tanto mais que a Presidente da Câmara, dona Irene Barata, havia me dado todas as indicações de que as pessoas viriam a ter muito boas oportunidades, inclusive nas suas respectivas áreas profissionais (psicóloga, cabeleireira, professor, jornalista, técnico de informática) e que os salários seriam bons o suficiente para sustento da família, educação dos filhos e ainda para alguma poupança.

No meu caso, ela me garantiu que eu viria a ser sua assessora na Câmara e também o elo de ligação entre Portugal e Brasil. Não fosse isso, eu não teria me aventurado a querer vir com meus filhos para Vila de Rei.

Com os documentos que eu trouxe de Vila de Rei e que deram entrada no Consulado de Portugal, em Curitiba, o “visto” foi rapidamente obtido, o que nos aumentou ainda mais o desejo e esperança de uma vida melhor em Portugal.

No dia 3 de Maio embarcámos cheios de esperança, energia e vontade de vir contribuir para o desenvolvimento de Vila de Rei.

Nenhum de nós imaginou que a comunicação social daria tanta atenção a nossa vinda. Isso nos assustou e foi quando começaram os problemas e a reduzir-se a nossa esperança.

Até então não entendíamos o porquê de tanta curiosidade por parte da comunicação social e a orientação da autarquia era que ninguém falasse sobre os detalhes do projecto e as promessas que nos foram feitas, mas deixássemos sempre bem claro que estava tudo bem, tudo como o previsto.

Chegávamos a um país amigo, mas estranho, cultura diferente, sem familiares, sem ninguém. Nem sonhávamos em questionar as orientações vindas da dona Irene, queríamos que tudo acabasse bem, que as coisas entrassem nos eixos rapidamente. Aceitamos tudo que nos foi determinado, sem questionar ou reclamar. Apenas um dos membros do grupo começou a achar tudo muito estranho e protestou, começando mesmo a dizer que haviam coisas muito erradas. Onde estava a comida? As casas? Os empregos? A autarquia procurou afastá-lo.

Mas, os restantes, com as crianças e com a fragilidade do momento, não tiveram coragem de reclamar por nada. Eu, que tinha um contacto directo com a presidente da Câmara, era a pessoa de confiança dela junto dos outros brasileiros, acreditava que tudo ficaria bem, que o tempo resolveria os problemas.

A Autarca dizia que era preciso afastar a comunicação social, que eles nos estavam atrapalhando, porque não era possível dar seguimento no projecto enquanto estivéssemos na comunicação social. Lógico, isso porque as coisas já não estavam sendo feitas da melhor maneira.

Aquilo que a Autarca nos prometeu através da senhora Luiza Pupin (Provopar – Brasil) e mesmo directamente a mim própria, não estava a ser cumprido. Para nós, não haviam outros trabalhos que não nos lares para limpeza e cuidado dos idosos, não haviam casas, nem formas de nos dar comida, muito menos salários acima do mínimo do país.

Percebendo que tinha cometido um erro de estratégia logística, aceitou que a família Padilha fosse viver para Sertã e trabalhar na restauração. Foi uma forma de tentar calá-los. Lá, teriam melhores salários, mais possibilidades profissionais, habitação condigna, etc. Assim, era um problema a menos para Vila de Rei.

Já com outro membro do grupo, o mais activo na reclamação, a Autarca tentou encorajá-lo a entrar num negócio de apicultura, ou seja, tratar de colmeias e abelhas, coisa que o deixou muito zangado. Por isso, partiu a procura de uma alternativa, tentando abrir um negócio próprio.

Eu, que estava a trabalhar na albergaria D. Diniz, na limpeza dos quartos, sai no dia 1º de Julho, pensando que era para trabalhar directamente com a dona Irene. Enganei-me, porque ela me colocou a trabalhar com os empresários que estão envolvidos no projecto de construção de um lar em Vila de Rei, senhores Realinho e Fernando. Era uma forma de me manter financeiramente e de eu estar sempre perto dela, já que nessa empresa ainda não havia trabalho para fazer, uma vez que o projecto ainda não tinha saído do papel.

Para complementar o meu rendimento e que não era suficiente para sustento da minha família, também me apresentou a um outro empresário, senhor Carlos Sotto-Mayor, que igualmente dizia estar interessado em investir em Vila de Rei.

Esses investimentos pareciam certos e, assim, a dona Irene Barata foi minha fiadora na casa que aluguei, na avenida da Câmara. Renda não muito económica, mas a única casa em condições que encontrei na Vila. Consegui dinheiro no Brasil para pagar a caução e a primeira renda, sempre na esperança de que as coisas melhorariam muito em breve.

Os empresários que me contrataram, mas sem contratos escritos, apenas promessas, me garantiam - pensava eu - o salário suficiente para o sustento da minha família.

Mesmo nestas condições, porque precisava, aceitei e iniciei o trabalho com eles, sempre supervisionada pela Autarca, dona Irene Barata, não sendo possível dar um único passo que não fosse determinado ou autorizado por ela.

Pareceu-me que a senhora dona Irene estava gerindo esses dois negócios o que me deixou segura, já que ela própria estava envolvida.

Passados quase dois meses, a Autarca entrou em conflito com este último empresário e assim fiquei sem este emprego e sem o ordenado.

Entrei em pânico e comecei a perceber que as coisas andavam muito mal. Estava totalmente nas mãos da Autarca, sem uma segurança de trabalho, contrato, salário e segurança social. Ao pressionar a presidente da Câmara dizendo-lhe que já não estava aguentando aquela situação, ela começou a demonstrar que também já não sabia o que fazer.

Primeiro colocou-me na “Casa do Idoso”, Santa Casa da Misericórdia de Vila de Rei, para trabalhar junto da directora, senhora dona Isabel Aguiar. As outras funcionárias reclamaram dizendo que eu entrara de maneira irregular e com salário acima do ordenado mínimo nacional. A directora expôs a situação a presidente da Câmara, que, sem outra alternativa, mandou que eu saísse naquela mesma hora.

Estava criado outro problema. Onde me colocar??? Onde me garantir um outro salário???

Lembrou-se então da APPACDM – Associação de Pais, Professores e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, onde trabalha a esposa do vereador doutor Paulo César, a senhora doutora Carla Susana. Comecei então a ir a APPACDM, com o intuito de fazer um jornal para a Associação, para justificar a saída do dinheiro para este salário.

Seguidamente, disse-me que fosse inscrever-me como trabalhadora independente nas finanças para fazer trabalhos autónomos, também para Câmara e para um jornal regional.

Aqui, finalmente, percebi que de vez que as coisas não iriam correr bem e que nada do que havia sido prometido se cumpriria, nem para mim, nem para os outros brasileiros, porque não havia mesmo trabalho, nem onde empregar-nos.

Apesar do medo e da dúvida de não ir fazer coisa certa, eu viajei para Lisboa, mais ou menos clandestinamente, para concorrer a um novo trabalho. Ao fim de três dias de formação, fui chamada e disseram-me que por eu ter feito parte do projecto de Vila de Rei não poderia trabalhar naquela instituição. Perdi o trabalho.

Voltei a Vila de Rei desiludida e ainda mais desesperada. A Autarca, acabou por saber que eu estivera em Lisboa, e a confiança entre nós passou a ser ainda menor.

Já não existia confiança da minha parte para continuar no projecto. Começa então a campanha de desmoralização dos brasileiros.

A dona Irene, para melhor me controlar, levou então a Câmara a celebrar comigo um contrato de prestação de serviços para tratamento de informação, e prometeu que eu passaria para o lugar do funcionário que escreve o Boletim Informativo da Câmara, o qual já estaria de saída para outro emprego.

Foi então feito um contrato, com data retroactiva, para que eu pudesse receber da Câmara sem mesmo ter feito nada. O problema é que eu já estava sem nenhuma condição financeira. O contrato foi firmado, passei o recibo verde e recebi o cheque, que foi descontado no mesmo dia.

Mas quando a comunicação social voltou a falar no assunto dos brasileiros em Vila de Rei, fui chamada, na tarde deste dia, pelo vice-presidente da Câmara, doutor Ricardo Aires, que disse que eu não podia ter envolvido o nome da Câmara, porque teria sido feito uma promessa ao partido político maioritário na Câmara que nunca nenhum destes brasileiros trabalharia na Câmara, pelo que o contrato de prestação de serviços estava já cancelado, bem assim como não mais receberia qualquer apoio ou ajuda. Soube mais tarde que foram os próprios funcionários da Câmara que comentaram que eu tinha um contrato com a Autarquia, mas fui acusada de ter sido eu que falei disso a comunicação social, o que não foi verdade.

Depois dessa decisão da Autarquia veio também a dispensa do outro empresário, que, segundo a Autarca, teria ligado para dizer que era solidário com ela e que também me iria demitir. Soube disso através do presidente da Associação Brasileira de Portugal, Ricardo Amaral, que foi a Vila de Rei tentar interceder por mim junto da Autarquia.

De acordo com Ricardo Amaral, a situação realmente não tinha mais jeito. Porém, ele havia feito um acordo verbal com a autarca para que me pagassem o contrato e que eu sairia de Vila de Rei já no final do mês de Outubro.

Mais uma vez o acordo não foi cumprido, pois não recebi mais qualquer vencimento. Sentindo-me assim, credora da Câmara e dos empresários senhores Realinho e Fernando.

Palavras parecem não ter significado para Irene Barata, que enviou várias notas à comunicação social na tentativa de me desmoralizar e denegrir a minha imagem e reputação usando meu nome de maneira ofensiva, o que afectou também a tranquilidade dos meus filhos, que nada têm que pagar pelos problemas de Vila de Rei.

Para garantir que eu não trabalharia mais para o empresário apresentado pela Autarca e com medo que eu fizesse algo contra ela, mandou trocar a fechadura do escritório onde funciona a empresa e onde se encontram os documentos e projectos.

Surpreendida, entreguei as chaves antigas ao porteiro da Câmara e pedi que desse um recado ao vice-presidente, doutor Ricardo Aires, de que estava entregando as antigas chaves, sem entender os motivos pelos quais haviam trocado a fechadura.

De uma hora a outra fiquei sem nada. Sem trabalho, sem dinheiro e sem perspectivas.

A tal «oposição», que a Autarca cita em várias notas, foi quem me apoiou moralmente e com algumas dádivas matérias, inclusive produtos alimentares e de primeiríssima necessidade.

Os vilarregenses que me auxiliaram fizeram-no por fraternidade e solidariedade humana e não por interesses políticos. São pessoas de bem. Queria deixar isto bem claro. Estou grata a todos.

Tarde demais percebi que tudo não passava de um grande engodo. Um erro. Não havia mesmo nada mais a fazer, senão procurar outro caminho em Portugal ou mesmo retornar ao Brasil.

Hoje estou arriscando no escuro para tentar permanecer em Portugal. Mais uma vez faço isso por meus filhos, que não merecem ser jogados de um lado para outro como se fossem brinquedos ou objectos. Minha filha está no décimo ano e para estar em Portugal precisou perder um ano na escola. Nossa volta ao Brasil representaria para ela outra grande perda.

Estou tentando tirar o maior proveito desta experiência muito negativa que vive em Vila de Rei, que estou certa seria ainda muito pior se a comunicação social não tivesse falado de nós.

Espero agora encontrar uma oportunidade séria de trabalho para refazer a minha vida junto dos meus filhos em Portugal!